onde

você me cobra a ausência

onde eu estava? 

o que me impedia de dizer

onde eu estava

 

por que não te busquei 

naquela tarde 

em que tínhamos combinado

onde eu estava?

 

como não percebi 

as minhas faltas 

naquelas semanas 

em que eu não estava 

 

eu não me lembro

por que parti 

mas me lembro 

de querer voltar 

 

ao chegar em casa

você me perguntou

onde você estava?

e eu não respondi

 

com palavras

mas gestos 

que eu não controlava

eu chorava 

 

onde eu estava? 

não me reconheci

em mim mesmo

meu comportamento

 

despretensioso

não estava 

não era eu

eu não era

 

eu estava…

você não vai me perdoar

por isso não vou dizer 

e você vai me perdoar

 

por não conseguir dizer

onde eu estava 

sempre foi assim

você era melhor por mim

 

Poema de Samyres Amaral

Palimpsestos tristes

mundo, mundo, mundo

eu não me chamo raimundo

então não me venha com soluções

 

o coração é do tamanho de um punho

o meu punho segura o meu coração

ele escorregou pela boca 

num vômito difícil de engolir

 

eu faço versos como quem chora

de desalento… de desencanto…

que livro é esse que vais fechar

se na vida só há motivos para pranto?

 

esqueçam os encontros

a vida é a arte do estrondo

 

Poema de Samyres Amaral

Referência às obras:

Poema de Sete Faces (Carlos Drummond de Andrade)

Um útero é do tamanho de um punho (Angélica Freitas)

Desencanto (Manuel Bandeira)

Samba da benção (Vinicius de Moraes)

Romantismo contemporâneo

Tem uns textinhos seus na internet

que eu tô sempre lendo e pensando

no quanto eu te amo

Tô sempre lendo e tentando

desvendar como você tá

sem perguntar

Foi um amor da nossa era

desses que escorre pelos dedos

Queríamos coisas

que não estavam lá

E no passar dos nossos dias

não iríamos ter

Fragmentos e

nenhuma foto pra lembrar

Um gosto de eternidade

que durou instantes

passear na roda gigante

dormir no parquinho da praça

Nós tínhamos cinco anos

em nossa própria companhia

E nos abandonamos

Por causa de um risco

não sei bem de quê

Na conversa de bar

você é o cara que eu queria por perto

Escondida atrás da cerveja e do riso

Mas a gente não dá certo

É só o que digo

Já sou five bears old

quando penso em te ligar

Essa vibe boemia

Sou eu teu colo e esse bar

Mas eu colo mesmo

é com meus amigos

E aos pouquinhos

[Tipo Rupi Kaur]

Vou enfrentando as tardes de domingo

vou esperando o dia

que não vou mais te esperar

Poema de Samyres Amaral

O atraso

     Checou o relógio mais uma vez. Tinha esperança. Se olhasse fixamente para os ponteiros, eles eventualmente andariam mais devagar. O movimento do contador é rítmico. Preciso. Irritante. Cada vez que ele não tardava em se movimentar, um minuto a mais teria que ser explicado. Até os quinze minutos, poderia nada dizer. As pessoas não tendem a causar alvoroços por causa de quinze passos do relógio. Um. Dois. Três. Quatro. Um. Dois. Três. Quatro. Umdoistrêsquatro. Porém, muito precisa ser explicado em nome das considerações alheias quando esses quinze passos acabam se multiplicando por quatro. Que indecência, contador! Uma volta inteira de atraso. A partir daí, o outro não encontra mais justificativas sozinho. Além disso, não é mais possível culpar o lento elevador ou o passo das pessoas na rua. Soa canalha também dizer que o trânsito ou a chuva, hoje o dia está lindo!, foram terríveis obstáculos à pontualidade. O contra-argumento, falta de planejamento!, já habita a ponta da língua. Aqui, nesta cidade, o trânsito é tão parte da rotina cidadã quanto respirar.

     A única saída, portanto, seria ser portadora de notícias graves e imaginárias. Porém, não se pode alegar algo que rapidamente seja descoberto como mentira, por exemplo, a morte de um parente. É preciso que a lorota esteja nos limiares da (im)possibilidade, como a indisposição de uma avó. A indisposição de uma avó é sempre argumento socialmente aceito para um atraso. Ninguém é desprovido de humanidade a ponto de deixar uma avó indisposta e sozinha em casa. Também está para nascer pessoa que proteste contra o atencioso gesto de se cuidar de uma avó. Mesmo que ele resulte em atrasos de qualquer natureza.

         Um plano perfeito. Bem na hora! O suor dentro da roupa estava começando pinicar os pelos e abafar as axilas. Porém, a insinceridade planejada, embora não apresente culpa, logo mostra suas manchas de incoerência. Se o motivo da balela vem do princípio nobre de não magoar os sentimentos de terceiros, como é possível esquecer a tão atenciosa mensagem avisando do possível atraso por causa da indisposição da avó? Ora, isso terá de passar como excesso de preocupação. O zelo para com a avó foi tão grande que, no meio das tribulações, foram esquecidos o relógio e o celular. Esse que agora vibra. As mãos o acompanham em uma espécie ansiosa de repique. Deveria dizer que precisou levar a avó no hospital? É difícil responder onde está quando sabe que a resposta trará infelicidade. Talvez o silêncio traga menos insatisfação que uma resposta vaga como estou a caminho. Se alegar posteriormente que não viu a mensagem, não há como se provar o contrário. Imagine a quantidade de provas que são necessárias para ser possível afirmar, com segurança, que algo foi ou não foi visto por alguém. Parece uma tarefa para o impossível.

       A mentira, embora socialmente tranquilizadora, tem efeitos exaustivos na cidadã comum. É preciso dizer comum porque existem pessoas a quem a culpa não gera nenhum remorso. Com os escrúpulos escassos, fala o que quer à vontade. Não é o caso na situação presente, e tropeça para fora do ônibus gritando com o motorista que errou o ponto. Já decidiu deixar a saúde de sua vó em paz e os hospitais sem sua presença ficcional. Corre riscos pela rua atravessando sem ver sinais ou faixas. Iria apenas se desculpar e perguntar se é possível deixar esse incidente – para culpar indiretamente o acaso – para trás e seguir com as atividades planejadas. Sobe as escadas. Afinal, aquela história da avó, embora muito tenha servido para matar o tempo, lhe deu uma enorme dor de cabeça. 

Toca a campainha.

Texto de Samyres Amaral

Verso pranto

n                             m

ã                             a

o                             s

v                             m

e                             i

j                              n

o                             h

g                             a

r                              c

a                             a

ç                             r

a                             n

e                             e

m                            é

s                              t

o                             r

f                              i

r                              s

e                              t

r                              e

Poema de Samyres Amaral

Referência ao poema Brisa Marinha, de Mallarmé. Tradução de Augusto de Campos.